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Eu sei o que você está pensando. Faz 10 anos que eu ouço isso.

“O que aconteceu com o Pato?”

“Por que o Pato não ganhou a Bola de Ouro?”

“Por que o Pato estava sempre machucado?”

Bah. Eu deveria ter respondido a essas perguntas há muito tempo, cara. Teve muita especulação, principalmente quando eu estava na Itália. Que eu exagerei na balada. Que eu não tinha ambição. Que eu vivia no mundo da fantasia. Mas quando eu queria falar, eu era instruído a “focar no futebol”. Eu era muito jovem para discordar.

Cara, eu era uma criança.

Então, acho que chegou a hora de fazer alguns esclarecimentos. Estou com 32 anos. Sou feliz. Estou em forma. Não tenho rancor de nada nem de ninguém. Se você quiser acreditar nas mentiras, não estou aqui para tentar te convencer.

Mas se você quiser saber o que realmente aconteceu, então preste atenção, cara.

O primeiro ponto que você precisa entender é que eu saí de casa cedo. Provavelmente muito cedo. Quando você tem 10 anos, você não está pronto para o mundo. Você sai em busca do seu sonho, mas você está sozinho e é muito fácil para se perder no caminho.

Deus me deu um dom, isso é claro. Eu não joguei futebol de campo até fazer 10 anos, porque o futsal era mais divertido. E eu ainda tinha uma bolsa para estudar em uma escola particular. Um dia eu disputei um torneio interno, e um olheiro do Internacional perguntou ao meu pai: “Você já pensou em testar o seu filho no campo?”.

O meu pai falou: “Hmmmmm, talvez você tenha razão”.

Consegui um teste no Inter. E foi assim que eu fui parar em um motel.

Hahaha. Vou explicar. Nós não tínhamos muito dinheiro, né? A minha mãe não podia trabalhar por causa de um problema na coluna, então o meu pai era o responsável por me bancar, a minha irmã e o meu irmão mais velho. Ele passava o dia inteiro construindo estradas. Tínhamos comida na mesa, mas eu não conseguia pagar os livros da escola particular. O máximo que eu conseguia era o xerox das páginas. Estou falando sério.

O meu pai tinha um fusquinha. Ninguém chegava na escola num fusquinha. Eu pedia para ele me deixar a algumas ruas antes do portão.

“Por que, filho?”, ele perguntava.

A minha resposta era: “Hm, os meus amiguinhos estão aqui”. Não tinha ninguém.

Uma vez eu estava chegando na entrada, e uma menina disse: “Então você tem um fusquinha?! Hahahahahahahahaha”.

Caraca, que saco.

De qualquer jeito, o meu pai teve de usar a criatividade algumas vezes. Quando chegou o grande dia do teste no Inter, oportunidade de uma vida, foram nove horas de viagem de Pato Branco a Porto Alegre. Na chegada à cidade, o meu pai percebeu que não teria condições de pagar um quarto de hotel.

O que ele fez? Escolheu um motel.

“Filho, esse é o único lugar que conseguimos pagar.”

A minha reação foi: “Tudo bem, pai.”

HAHAHAHAH. Cara, eu não tinha ideia. Eu era muito novo para entender o que era aquele lugar. Nosso quarto tinha uma cama pequena e só. O motel ficava na frente do Beira-Rio, então as pessoas podiam transar olhando para o estádio.

Até hoje eu ainda brinco com o meu pai sobre essa história. Se isso acontecesse hoje ele provavelmente iria para a cadeia.

Depois, estávamos andando em volta do estádio para conhecer. Uau, maravilhoso! De repente chega um diretor do clube. “Você não deveria estar treinando?” Caraca! Nós confundimos os horários. Pior ainda, a minha chuteira tinha ficado no motel. O meu pai saiu correndo para buscar. Quando ele voltou, adivinha o que tinha dentro da sacola?

Um pé com trava de borracha, e outro com trava de ferro.

“Pai, você só pode estar de brincadeira! Como vou jogar desse jeito???”

Por sorte, havia um menino que era sensação na base, chamado Cocão, que tinha patrocínio de chuteira. Então ele me emprestou a dele. Novinha! Uhuul! Vamo pra cima!

Graças a Deus eu fui aprovado no Inter. Mas juro para você, eu não estava pensando em me tornar jogador profissional. Na verdade, eu me sentia abençoado só por estar jogando com os garotos. Talvez você tenha ouvido falar sobre essa história...

Mais ou menos um ano antes, eu tropecei em uma corrente de estacionamento e caí em cima do meu braço esquerdo. Eles engessaram metade do meu corpo, e eu estava parecendo uma múmia. Eu até joguei um campeonato com o braço ainda engessado. Após tirar o gesso, eu e meu amigo estávamos brincando de um jogo que quem ficasse de pé o outro poderia dar um chute, a não ser que você conseguisse escapar. Estava divertido até eu sentar em cima do braço esquerdo. O susto foi tão grande que até as minhas pernas começaram a doer.

O médico fez um Raio-X e encontrou um tumor grande no meu braço.

“Ou ele faz uma cirurgia agora, ou teremos de amputar.”

Eu estava em choque. Em 24 horas eu poderia estar sem o meu braço esquerdo.

Mas você acha que os meus pais tinham dinheiro para pagar a operação? Pffff.

O que vamos fazer agora???

Meu pai teve de ser criativo mais uma vez. Ele filmava todos os meus jogos, então ele pegou as fitas e as levou para o hospital, fez uma oração, entrou no consultório médico e colocou aquelas imagens chuviscadas de uma criança correndo na quadra de futsal.

Alexandre Pato criança infancia

 
O meu pai disse: “Doutor, esse é o meu filho. Eu não sei como pagar por isso, mas eu só não quero vê-lo parar de jogar”.

Para o que aconteceu depois eu não tenho explicação. Talvez o médico viu talento em mim. Ou ele escutou a voz de Deus.

“Não se preocupe, eu faço de graça para o seu filho.”

Foi um milagre.

Nunca vou esquecer o nome dele: Paulo Roberto Mussi. Ele me deu uma nova vida.

Mas a recuperação foi muito dolorosa, cara. O banco de ossos não tinha o osso que o meu braço precisava, então eles tiveram de retirar um osso do meu quadril. Eu ainda tinha de voltar para Pato Branco a cada seis meses para monitoramento. Uma vez o meu braço ficou VERDE. Eu estava gritando. MAIS INJEÇÃO, POR FAVOR!!

Apesar de tudo, pude voltar a jogar e, na sequência, fui aceito no Inter.

Mas isso gerou mais sofrimento quando eu tive de sair da casa dos meus pais. Eles não tinham condições de morar em Porto Alegre, então me disseram “VAI!”, mas foi muito duro pra eles. Mesmo depois que me mudei, a minha mãe continuou colocando o meu lugar na mesa como se eu fosse jantar com eles. Ela arrumava o meu quarto na espera que chegasse a qualquer momento.

Ainda havia muitas lições para eles me ensinarem. Como jogador, eu estava pronto para o mundo. Como pessoa, eu estava muito longe disso.

Definitivamente eu não estava pronto para a base do Inter. Os garotos mais novos tinham de fazer tudo para os mais velhos: lavar cueca, limpar chuteira, comprar salgadinho no posto. Tinha a brincadeira de “Marcar o gado”. O que era isso? Eles falavam para colocarmos a perna em cima da cama, eles pegavam uma ripa de madeira e PAU! Era um terror.

Chorei muito. Me escondi no quarto. Mas eu não podia contar para a minha mãe, senão no dia seguinte ela estaria lá para me buscar. Por isso, eu falava: “Mãe, está tudo ótimo, tudo tranquilo”.

O futebol? Era pura diversão.

Eu fui do time sub-15 para o profissional num piscar de olhos. Aos 17 anos, eu estava no Mundial de Clubes fazendo gol na semifinal e enfrentando o Barcelona na decisão. E encontrei o Ronaldinho.

Cara, precisamos de uma palavra nova para descrever esse cara. Ele é mágico. Ele não parece uma pessoa de verdade. Naquele dia eu não era um adversário, eu era um fã. No túnel eu falei para ele: “Guarda a sua camisa para mim!”. Quando o jogo acabou, eu pensei: “Cadê ele? Cadê ele?”. Todo mundo correu para trocar camisa com ele, mas ele honrou a palavra. Guardou para o garoto. Esse é o Ronnie.

Como você deve saber, o Mundial é algo GIGANTE no Brasil. A vitória por 1 a 0 na final foi o auge para os Colorados. Depois, fizemos uma carreata em Canoas em um carro de bombeiros, eu estava segurando o troféu, e as pessoas gritavam o meu nome.

Sete anos antes eu nunca havia jogado futebol de campo.

Agora eu era campeão do mundo.

Em seguida, eu poderia ter ido para o Barcelona, Ajax, Real Madrid. Por que o Milan? Olha, vou te fazer uma pergunta.

Você já jogou com aquele Milan no PlayStation?

Aquele time era incrível!! Kaká, Seedorf, Pirlo, Maldini, Nesta, Gattuso, Shevchenko... O Sheva era demais! Ronaldo Fenômeno! Eu tinha de jogar com esse cara. Que escalação, cara. Eles tinham acabado de ganhar a Champions League. O Milan era o time do momento. Meu pensamento era: quando é o próximo voo?

Quando cheguei em Milão, passei por um teste de visão como parte da bateria de exames. Cara, eu pressionei demais a palma da minha mão no olho esquerdo e quando eu abri eu não enxergava nada. O médico pingou um colírio dilatador, e quando eu saí da sala eu não via nada. Adivinha quem apareceu? O grande Ancelotti.

“Tutto bene?” 

“Tudo bem.” Mas eu não conseguia vê-lo. Tiramos uma foto e os meus olhos estavam quase fechados hahahaha.

Carlo me levou ao refeitório. “Esse é o Pato, o nosso novo atacante.” TODO MUNDO se levou para me cumprimentar. Todo. Mundo. Ronaldo, Kaká, Seedorf... UAU!

Esse foi o meu primeiro dia no Milan. Eu tinha entrado no videogame.

Alexandre Pato Milan Kaka
Luca Bruno/AP Photo
 

Infelizmente eu completei 18 anos depois do prazo, em agosto, para a inscrição no Mundial. Nasci em 2 de setembro. Se eu tivesse vindo ao mundo alguns dias antes, eu seria bicampeão do mundo. Mas só de treinar com aquelas lendas já era algo muito especial. Os brasileiros me receberam de braços abertos: Ronaldo, Cafu, Emerson, Dida, Kaká... E, não, eu não morei na casa do Cafu! Mas estávamos sempre juntos, porque eu tinha quase a mesma idade dos filhos dele. E o Cafu é um cara muito família, então quando ele saía para jantar, precisava de uma van porque ao menos 10 pessoas o acompanhavam.

Os brasileiros me protegiam até no treino. Essa história é boa: no grupo tínhamos o Kakha Kaladze, capitão da Geórgia, enorme. Teve uma vez que ele me deu um carrinho e me levantou. VAP!

Caraca, que cara é esse?

Falei com os brasileiros, e a resposta deles foi: “Seja forte. Pega ele também, pô!”.

Eu???

Eles falaram: “Claro! Qualquer coisa estaremos lá para te proteger”.

Quando o Kaladze dominou a bola, a primeira coisa que eu fiz foi correr e acertar um carrinho nele. VAP! Com ele no chão, meu pensamento foi P***, agora vai dar briga! Ele se levantou e veio na minha direção. Eu já estava pensando na pancada que eu ia levar, mas ele levantou a mão eeeeee....

...fez o sinal de positivo.

“Buon lavoro!”, disse. Bom trabalho. 

Essa era a mentalidade que eles esperavam no Milan.

Ancelotti se transformou em uma figura paterna para mim. Ele até deu o nome de Pato para o cachorro dele. Você viu as imagens dele comemorando em Madri há algumas semanas, de óculos de sol e fumando charuto? Olha, no Milan às vezes ele chegava de helicóptero. Ele morava em Parma, e a sua esposa sabia pilotar. Desembarcava ao estilo James Bond. Se alguém sabe viver com estilo, esse é o Carlo.

Aprendi muito com todas aquelas lendas. Eu sentava ao lado do Ronaldinho no vestiário. Após os treinamentos, o Ancelotti pedia para o Seedorf e o Pirlo treinarem lançamentos comigo para eu entender os movimentos na hora de correr. O Pirlo só falava: “Apenas corra, porque a bola vai chegar”. E sempre chegava.

Na minha segunda temporada, teve um dia que fomos treinar cobranças de falta. Quem estava lá para bater?

Pirlo.

Seedorf.

Ronaldinho. 

Beckham. 

Quer saber? Hoje vou só assistir.

Claro que todos sabíamos quem comandava o clube. Silvio Berlusconi me ligou certa vez. Era um ótimo chefe, gostava de contar piadas. Eu namorava a filha dele, Barbara. Dito isso, eu adorava driblar todo mundo pelas pontas. Zoooooooom. Silvio, então, me disse: “Por que você fica driblando desse jeito?”. Ele queria que eu jogasse mais perto da área, centralizado. De repente o Ancelotti e o Leonardo começaram a me falar o mesmo.

Foi por aí que eu marquei aquele gol no Camp Nou. Eu estava no meio de campo e vi um buraco na minha frente. Dei um toque para frente e corri. Vi o Valdés saindo do gol e pensei: “Caraca, o que eu faço? Eu driblo? Toco por cima?”. A minha intenção era finalizar no canto direito, mas a bola passa no meio das pernas dele. Uau, golaço. Mas contei com a sorte também.

Acho que até Deus queria que a jogada terminasse em gol.

No fundo, o meu pensamento era: Será que o Guardiola viu o lance inteiro? Eu tenho uma enorme admiração por ele. Depois ele falou que nem o Bolt seria capaz de parar aquele menino. Foi, sem dúvidas, o gol mais bonito que eu já marquei. As narrações do lance são sensacionais.

As pessoas ainda vêm falar comigo: “Vinte e quatro segundos! Venti quattro secondi!”

Cara… noites como aquela me faziam acreditar que eu chegaria no topo.

As expectativas sobre mim eram enormes, né? Eu era o menino prodígio. Estava na Seleção. A imprensa me elogiava, os torcedores falavam sobre mim, até os outros jogadores me colocavam lá em cima.

Alexandre Pato Seleçao Brasileira
Simon Bruty/Sports Illustrated via Getty Images


PATO SERÁ O MELHOR DO MUNDO.

PATO VAI GANHAR A BALLON D’OR. 

Eu amava essa atenção. Eu queria ser o centro das atenções. Mas sabe o que aconteceu?

Sonhei demais. Por mais que eu me dedicasse no dia a dia, a minha imaginação me levou a vários lugares. Na minha cabeça eu já estava segurando a Bola de Ouro. É inevitável, cara. É muito difícil não se deixar levar. Sofri muito para chegar lá. Por que eu não deveria aproveitar o momento?

Quando eu venci o Golden Boy como o Melhor Jogador Jovem da Europa, em 2009, eu não estava pensando na Bola de Ouro. Eu estava apenas curtindo o meu futebol e... OPA! Um prêmio.

Eu era imparável quando estava vivendo o presente.

Mas a minha mente foi parar no futuro.

Em 2010 eu comecei a ter muitas lesões. Perdi confiança no meu próprio corpo. Tinha medo do que as pessoas falariam sobre mim. Estava indo treinar com a minha cabeça pensando: Eu não posso me machucar. Se eu me lesionasse, não contava pra ninguém. Uma vez eu estava me recuperando de um problema muscular, torci o tornozelo e continuei jogando. O meu pé parecia uma bola de tão inchado, mas eu não queria decepcionar os meus companheiros. Eu queria agradar a todos — e esse foi um dos meus erros.

As pessoas esperavam que eu marcasse 30 gols por temporada, mas eu mal conseguia estar em campo. Até dava para administrar a dúvida dos outros sobre mim. Mas e quando a insegurança vem de dentro? É outra coisa.

Então sabe o que acontece? Você descobre quem te ama de verdade. Muitas pessoas ao meu redor começaram com aquele pensamento: Hmmmmmm, talvez ele não vai chegar lá, afinal.

Eu me senti sozinho. No Inter eu tinha sido sempre superprotegido. Faziam tudo para mim. Eu não entendia sobre lesões, preparação física ou dietas — porque eu não precisava. Tudo o que tinha de fazer era jogar.

Então, quando eu tive dificuldades no Milan, eu não tinha ideia do que fazer.

Hoje em dia todo jogador tem uma equipe em volta dele, né? Médico, fisioterapeuta, preparador físico. Naquela época apenas o Ronaldo tinha isso. Não havia nenhum parente perto de mim, porque a minha família permaneceu no Brasil. Eu tinha empresário, mas ele não cuidava de tudo como os agentes fazem atualmente. Claro que o Milan tinha um departamento médico, mas eles cuidavam de 25, 30 jogadores. Não tinha como estarem comigo todo o tempo.

Um dia eu joguei contra o Barcelona depois de viajar aos Estados Unidos para fazer uma consulta com um médico em Atlanta. Viajei 10 horas e tive um treino antes da partida. Adivinha? Acabei me lesionando. O Nesta ficou maluco. “Ele não deveria ter jogado, vocês estão loucos??”

Mas eu simplesmente não entendia. O meu pensamento era: Vamos tentar de novo.

Sendo honesto, eu não tinha o conhecimento dos bastidores, sabe? No Inter eu nem ligava para contrato. Só quero renovar para poder continuar jogando. Essa parte política eu não entendia. O futebol é como teatro. Você tem que demonstrar ser de um jeito para conseguir aquilo que você quer. Mas eu só via como um simples jogo.

Quando a imprensa escrevia mentiras sobre mim, eu não tinha um assessor pessoal. Eu deveria ter esclarecido tudo isso há muito tempo, mas eu não compreendia a importância de se comunicar bem e ter bons relacionamentos fora de campo. O que eu ouvia era que o que acontecia dentro das quatro linhas seria o suficiente. Mas essa está longe de ser a verdade.

Se eu curti muito a noite? Não tanto quanto te fizeram acreditar.

Faltou ambição para mim? Falavam isso por causa do meu jeito de correr. Mas quem realmente sabe isso? Deus me fez correr dessa maneira. Não consigo mudar.

Queriam que desse carrinho. Queriam sangue, suor e lágrimas.

As lágrimas eles acertaram. Paguei um preço alto.

Eu deveria ter contado a verdade para todo mundo. Você se lembra da história do PSG? Galliani estava na Inglaterra para assinar com o Tévez, e o PSG me fez uma proposta maravilhosa. Eu queria ir — o Ancelotti estava lá. Mas o Berlusconi pediu para eu permanecer no Milan. Como eu estava machucado, os torcedores falaram: “Oooh, o Pato não quis ir! Com o Tévez nós seríamos campeões!”. A imprensa também ficou louca. Mas, o quê? Eu queria ter ido!

Perdi a Copa do Mundo de 2010. A história do PSG aconteceu em janeiro de 2012. Eu mal estava jogando. A minha parte psicológica estava horrível. Era considerado uma decepção ganhando um salário alto. A torcida queria a minha saída.

“Eu nunca entendi a importância de se comunicar bem e ter bons relacionamentos fora de campo. Pensava que o que acontecia dentro das quatro linhas seria o suficiente. Mas essa está longe de ser a verdade.”

- Alexandre Pato

Cara, você sabe o quanto eu tentei voltar a jogar?

Viajei o mundo atrás de uma solução. Eu me consultei com todos os médicos possíveis — e mais alguns. Em Atlanta me colocaram de cabeça para baixo e me fizeram girar. O diagnóstico? Os meus reflexos não estavam alinhados com os meus músculos. Na Alemanha, um médico me deu injeções nas costas inteiras — no dia seguinte eu estava andando no aeroporto de Munique todo curvado por causa de dores. Tinha outro que colocava 20 agulhas de manhã, antes do treino, e mais 20 antes de dormir. Eu poderia continuar para sempre com essas histórias.

Eu visitei o sexto médico, depois o sétimo, oitavo... cada um deles falava algo diferente. Caraca, o que eu tenho???

Eu chorei, chorei, chorei. Tive medo de nunca mais jogar futebol.

Por isso que eu fui para o Corinthians, em janeiro de 2013. Sim, eu queria estar na Copa de 2014. Mas eu também tinha o desejo de trabalhar com o Bruno Mazziotti, o fisioterapeuta do Ronaldo. Quando eu cheguei lá, eles removeram um músculo do meu braço para fazer uma biópsia. Eu tremia na maca. Depois de 20 dias eles chegaram à conclusão de que alguns dos meus músculos tinham encurtado por causa das lesões. A parte posterior da minha perna estava mais fraca do que a região da frente, então existia uma descompensação.

Graças a Deus, o Bruno me colocou em forma de novo. Desde 2013, acho que tive apenas três lesões musculares.

Foi uma pena como tudo terminou no Corinthians.

Cheguei como um astro do futebol europeu, com um salário alto, o que já cria uma distância em um país tão desigual como o Brasil. Então a exigência da torcida era gigantesca. Quando eu perdi o pênalti contra o Grêmio nas quartas de final da Copa do Brasil, fui o único culpado. Sim, eu cometi um erro, mas não é verdade que colegas de elenco tentaram me bater. Ninguém fez nada. Mas os torcedores queriam me bater e me matar. Eu passei a andar de carro blindado em São Paulo, com seguranças armados e bombas de gás lacrimogênio. Os torcedores invadiram o CT com pedaços de pau e facas. Isso é uma loucura, algo assustador. Isso não deve ter lugar no futebol de jeito nenhum.

Sabe por que eu joguei muito melhor no São Paulo? Porque eles cuidaram de mim. Lá eu só precisava jogar. Mas quando o Chelsea se interessou por mim, eu ainda sonhava em voltar para a Europa.

Infelizmente, mais uma vez eu paguei o preço por ser superprotegido.

Eu ainda não entendia os bastidores. Pensei que fossem me levar por empréstimo por seis meses e depois eu assinaria um contrato por mais três anos. Eu não sabia que eles poderiam dizer não depois do empréstimo. E se eu soubesse? Teria ido para outro clube. Foi uma pena, porque eu estava treinando muito bem, mas o técnico me colocou para jogar em apenas dois jogos. Nunca entendi direito o porquê.

Depois tive de me reapresentar ao Corinthians, onde algumas pessoas queriam me ver pelas costas. Como eu queria permanecer na Europa, decidi fazer algo inédito na minha carreira. Liguei para o Bonera, com quem eu havia jogado no Milan e que estava no Villarreal. “Bony, você acha que eles teriam o interesse?”

Bom, o Marcelino, então treinador, me ligou, ofereceu as condições e poucos dias depois eu estava a caminho da Espanha. OPA! Eu mesmo resolvi a minha transferência.

Contatos. Relacionamentos. É assim que o futebol funciona.

Esse foi um ponto de virada para mim. Todos aqueles anos eu me comportei como se eu ainda fosse um garoto no Inter. Aos 27 anos, eu percebi que precisava mudar. Tive de assumir o comando da minha carreira.

Assumi a responsabilidade do meu destino.

Infelizmente, a minha passagem do Villarreal não durou tanto, mas o Tianjin Tianhai foi uma grata surpresa. Quando eu fui para a China, eu estava solteiro e mudei com um amigo. Por quê? Para me conectar com o meu interior. Eu nunca tinha parado para ter um panorama geral da minha vida. Do que eu gosto? O que é importante para mim?

Alexandre Pato Players Tribune
Sam Robles/The Players' Tribune
 

Passei a cuidar da minha saúde mental e dos meus relacionamentos. Comecei a fazer terapia. Aprendi a encontrar a felicidade no trabalho duro. Ainda me divertia, mas entendi que o futebol era o meu trabalho, sabe? Passei a ter responsabilidade por todos os aspectos da minha carreira. Em Milão eu passei o primeiro ano inteiro sem ficar fluente no italiano. Na China, aprendi sobre a culinária e a cultura logo de cara. Passei até a cozinhar noodles em casa.

O garoto amadureceu. Eu estava jogando bem. Entendi que o futebol vai muito além do que acontece no campo, e isso foi muito gratificante.

Foi como encontrar o verdadeiro propósito da vida.

Aí eu acabei dando um passo em falso.

Depois da minha passagem na China, eu ainda estava solteiro, então eu decidi aproveitar a minha liberdade. Fui para Los Angeles. Queria o melhor hotel, o melhor carro, as melhores festas.

Estava em um lugar e, de repente, uma menina começou a cheirar cocaína do meu lado.

Caraca, o que eu tô fazendo aqui?

Peguei as minhas coisas e saí. Não quero isso para a minha vida, esse mundo vazio. Falei com o meu amigo. “Será que vou passar o resto da minha vida sozinho?”.

Decidi voltar para o Brasil. Mandei uma mensagem para uma até então amiga, a Rebecca. “Quer dar uma volta?”.

“Vamos tomar um café”, ela respondeu.

Eu me encontrei com ela e depois de poucos segundos...

Cara, é isso o que eu quero.

Chamei ela pra sair de novo.

Coloquei uma roupa bacana, fiquei todo no estilo. Ela disse:

“Vamos à igreja.”

Igreja?

Cara, que surpresa. A Bíblia tinha todas as respostas que eu estava procurando há anos. Olhei para o céu e falei: “Senhor, não quero mais aquela vida”.

Naquele dia tudo mudou para sempre.

Desde então eu passei a viver uma realidade totalmente diferente. Quando eu me transferi para o Orlando e logo machuquei o joelho, eu poderia ter desabado. No dia seguinte eu resolvi voltar mais forte e agora sei tudo de joelho. Tem uma lesão? É só ligar para o médico Alexandre.

A minha carreira poderia ter tomado um rumo diferente? Claro. Mas é fácil olhar para trás e dizer o que eu deveria ter feito. Quando você está no meio do furacão, você não enxerga o todo. Por isso, não tenho arrependimentos. Olhe para o lado bom, cara. Estou em forma. Minha saúde está ótima. Ainda amo o futebol.

Por que eu deveria estar amargurado? Só temos uma chance de viver neste mundo.

Ainda acredito que posso disputar uma Copa. Veja o Thiago Silva e o Dani Alves jogando bem aos 37 e 39 anos.

Mas essas coisas acontecem no tempo de Deus. Eu vivo o hoje. O resto é com Ele.

Conforme você envelhece, você entende o que te faz feliz. Quando eu saí de casa, eu pensava que o futebol tinha tudo o que eu queria. Fui para a Itália, Inglaterra, Espanha, China. Sofri, chorei, gritei de dor. Eu estava quase sempre sozinho.

Alexandre Pato Orlando City MLS
Andrea Vilchez/SPP/Sipa USA Via AP Images
 

Sim, eu não me tornei o melhor do mundo. Mas eu vou te falar uma coisa, cara.

Vejo os meus pais com muito mais frequência — estamos recuperando o tempo perdido.

Tenho um relacionamento maravilhoso com os meus irmãos.

Estou em paz comigo mesmo.

Sou um filho de Deus.

Amo a Rê, a minha esposa.

Do meu ponto de vista, eu tenho muitas Bolas de Ouro.

Se a vida é mesmo um jogo, eu venci.

 

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Link para a página original.

Relato bem legal do Pato sobre a carreira, acho que cabe uma bela discussão sobre isso e como deve ter acontecido com muitos outros.

Postado

Têm algumas reflexões interessantes mas não sei se chega a ser revelador.

Pelo lado das lesões, eu acho sacanagem culpar jogador por se lesionar, como se isso fosse um ganho pra ele sendo que treinar e jogar é mais fácil que sentir dor e frequentar DM. Por outro lado as cobranças de jogadores que estão afastados e que não se dedicam ao tratamento têm alguma procedência, embora ainda não sejam motivo pra nada do tipo das coisas descritas aí.

Sobre o amadurecimento, é meio que praxe entre prodígios mas ainda é difícil sentir pena dele. Dá pra empatizar mas não muda que a pessoa poderia e deveria ter parado pra pensar em algumas coisas antes. Não falo nem da "malícia" de entender como contatos e política de bastidores funciona mas parece que ele só foi se tocar que era um adulto com 27 anos.

Por fim, o "oh meu Deus, eu só queria as melhores festas e agora tem drogas aqui, como assim??" mostra que ainda era um adulto bem ingênuo. Toda história "born again" tem uma virada assim, mas nesse caso não tem como não ver graça na reação exacerbada, principalmente pelas histórias que a gente ouve sobre a noite de Milão, então dificilmente foi o primeiro encontro dele com algo assim.

Não sei se teria como ele ter tido uma carreira melhor porque esses problemas físicos eram complexos, mas que dava pra ele ter se tocado que precisava administrar a carreira melhor e se queimar menos, parece que dava. Se tem uma coisa comum nessas histórias de "porquê não deu certo?" é que sempre têm coisas evitáveis mas que se concretizam por uma junção de fatores.

Postado

Mais um clássico caso sobre o jogador brasileiro. Não é o primeiro e nem será o ultimo.

 

Postado

Legal a parte da superação da infância.

Pra mim o relato do Inter à China mostra o que eu sempre pensei do Pato: cabeça fraca. Seja pq a distância da família pode tê-lo prejudicado na sua formação, seja pq desde muito cedo os clubes por onde passou só preocuparam com o jogador, e não a pessoa. Cara, o Pato já no Corinthians mal sabia falar. Sério, era bizarro. 
 

Acho meio simplista demais o jogador culpar todo o universo futebolístico e se isentar de todo o meio a fim de “jogar futebol”. Tudo que vem do extra de bônus eles absorvem: dinheiro, contratos, patrocínio, festas, mulherada. O ônus é sempre essa história do “ah, mas eu só queria jogar meu futebol”. Aham. 
 

Essa história do carinho do São Paulo x falta de carinho do Corinthians é piada. Não éramos  sua esposa ou sua mamãe pra te colocar no colo. Puro oportunismo de fala.

 

Pelo menos ele parece ter amadurecido pós China. Deve ser real, o Pato do Corinthians não conseguiria nem pensar em mandar alguém elaborar um texto para ele. Bom pra ele. Tardio, mas antes tarde do que nunca.

Postado

Eu discordo que seja um discurso "vitimista" ou se isentando de culpa.

Por exemplo, quando ele fala que já se via com a Bola de Ouro, é óbvio que, sem entrar no mérito do porquê, isso é culpa dele.

Também não espero que ele diga que "largou" o futebol e foi farrear. Primeiro, porque não acho que isso seja verdade (pelo que se sabe do histórico do jogador, ao menos). Segundo, porque possivelmente o cara trabalhou (perto do) ao máximo (convenhamos, é difícil ver atletas que dão 100% durante TODA a carreira, né? são os monstros, justamente e inclusive por...trabalharem 100% sempre!), embora tenha trabalhado errado.

Não adianta "estourar a tampa", se você o faz de forma errada, ou de forma desequilibrada (como me parece que aconteceu).

O Pato tinha muito talento, treinava bem, jogava bem, mas em algum momento o pêndulo balançou.

Acredito que ninguém aqui saiba é o que, só na infância, imaginar a hipótese de perder um braço no dia seguinte, e ter que sair de casa e ir morar sozinho aos dez anos de idade, porque tua família não tem grana e condições pra te acompanhar no sonho.

Só imagino quão ruim é um ambiente de alojamento, como ele narrou, inclusive.

É muito fácil dizer que o cara ficou rico cedo e largou. Só que isso é um discurso simplista demais. E a vida não é simples.

A solidão é um sentimento muito difícil de lidar para a grande maioria das pessoas. E como podemos perceber, acompanhou o cara não só a carreira, mas a vida inteira.

Eu achei uma baita entrevista. Pato é foda!

 

  • Vice-Presidente
Postado
19 horas atrás, Douglas. disse:

Têm algumas reflexões interessantes mas não sei se chega a ser revelador.

Pelo lado das lesões, eu acho sacanagem culpar jogador por se lesionar, como se isso fosse um ganho pra ele sendo que treinar e jogar é mais fácil que sentir dor e frequentar DM. Por outro lado as cobranças de jogadores que estão afastados e que não se dedicam ao tratamento têm alguma procedência, embora ainda não sejam motivo pra nada do tipo das coisas descritas aí.

Por fim, o "oh meu Deus, eu só queria as melhores festas e agora tem drogas aqui, como assim??" mostra que ainda era um adulto bem ingênuo. Toda história "born again" tem uma virada assim, mas nesse caso não tem como não ver graça na reação exacerbada, principalmente pelas histórias que a gente ouve sobre a noite de Milão, então dificilmente foi o primeiro encontro dele com algo assim.

Mas esse lance das drogas é o gancho para o qual ele encontrou a fé. De praxe. Provavelmente encontrou a fé por causa da atual esposa.

2 horas atrás, ZMB disse:

Eu achei uma baita entrevista. Pato é foda!

Eu estava gostando até a parte da igreja. Achei desnecessária e que não adiciona. Parece que no fim ele escreveu o texto só para dizer aquilo.

Postado

Mais um que virou santo porque entrou pra igreja. 

  • Leho. mudou o título para O que realmente aconteceu com o Pato
Postado
5 horas atrás, Henrique M. disse:

Mas esse lance das drogas é o gancho para o qual ele encontrou a fé. De praxe. Provavelmente encontrou a fé por causa da atual esposa.

Sim mas acho que fica exagerado tanto por aquele ali dificilmente ter sido o choque que o texto descreve quanto por meio que descartar o resto da história, afinal ele já tinha feito outras reflexões muito mais importantes antes de chegar aos EUA. Essas histórias de novos convertidos quase sempre procuram um significado especial pra algum evento, às vezes realmente é algo mais sério (morte de alguém próximo, acidente, doença, etc.) mas na maioria das vezes é algo corriqueiro pro estilo de vida da pessoa. A história no final fica mais pobre por ele parar de dar valor ao que ele aprendeu pra virar "fui salvo pela igreja".

  • Diretor Geral
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Também não acho que tenha sido um "discurso vitimista", de quem tá querendo tirar o corpo fora da responsabilidade de sua trajetória na carreira. Eu vejo mais num tom de "desabafo" mesmo.

O Pato sempre me pareceu um cara mt "ruim" pra se comunicar, pra "se vender", e pelo visto ele mesmo já diagnosticou isso e isso com certeza interferiu bastante na sua carreira desde sempre. É um cara tímido, reservado, às vezes até "avoado" demais, e passou por bastante coisa na infância (história que se repete pra vários outros jogadores é verdade, mas não deixa de ser um obstáculo a mais) e acabou explodindo no futebol cedo demais. É claro que isso traria consequências, boas e ruins.

Ele soube usufruir bastante das coisas boas, mas não soube lidar com as ruins, e isso por 'N' fatores (e alguns ele até lista nessa coluna). Acho foda julgar o cara pelas escolhas, todo mundo é passível de erros nesse ponto mas, isso não diminui o tamanho da frustração de quem olhava pra ele como um futuro camisa 9 da Seleção.

 

De qualquer forma, é um cara do bem (forçou a barra nessa parada da igreja hahaha, mas eu entendo), sempre respeitou os clubes por onde passou e tem sua história no futebol. Não é ídolo no SPFC, mas sempre terá o carinho da torcida por tudo o que viveu vestindo nossa camisa.

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