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Uma coisa une as torcidas de Celtic e Rangers: a independência da Escócia


Johann Duwe

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Uma coisa une as torcidas de Celtic e Rangers: a independência da Escócia

Old Firm. Poucos clássicos impõem tanto respeito por seu nome, e são tão reconhecidos apenas pelo apelido. Afinal, a rivalidade de 121 anos entre Rangers e Celtic não se deu apenas no campo de futebol. Ela se estende para muito além dos estádios ou dos limites de Glasgow. O dérbi ajuda a explicar a própria história do Reino Unido, bem como os conflitos seculares entre protestantes e católicos, conservadores e progressistas, separatistas e unionistas. Os dois clubes estiveram opostos em boa parte da história moderna da Irlanda. E volta a se contrapor, mas também se unir, durante o referendo que votará a independência da Escócia. Ou pelo menos é isso que as pesquisas apontam, com a maioria das duas torcidas optando pela separação do Reino Unido.

Obviamente, não dá para esperar uma posição uniforme entre duas enormes torcidas. No entanto, as cisões entre Celtic e Rangers são claras em alguns de seus setores. Os ultras do Celtic defendem a independência, uma postura condizente a uma comunidade que muitas vezes se sentiu marginalizada pelo protestantismo de origem inglesa. Já os organizados do Rangers se posicionam ao lado da tradição, como foi muitas vezes ao longo de sua história. Divisões que até parecem óbvias, mas que não são dominantes dentro das dicotomias das próprias massas de torcedores, com seus temores de repressão e seus anseios nacionalistas.

Dentro dos estádios, é o Sim contra o Não

O estádio Ibrox e o Celtic Park se tornaram arenas de debate do referendo escocês bem antes da data da votação. Há meses as campanhas tomam conta das arquibancadas, acontecendo até mesmo na Champions League. Forma clara de ganhar repercussão em um país realmente apaixonado por futebol. Segundo estudo da Sporting Intelligence feito em 2012, 3,7% da população escocesa frequenta os estádios do país a cada rodada dos campeonatos nacionais. A taxa é a quarta maior da Europa, mas superior à de qualquer outro país com mais de 5 milhões de habitantes. Sozinhos, os grandes eram responsáveis por 50% desse público cativo.

Esse tamanho ajuda a dimensionar a importância das manifestações de torcedores, que se repercutem mais graças à audiência da televisão. Por mais que o Rangers atualmente passe por um período de reconstrução, disputando a segunda divisão do Campeonato Escocês, seu público é significativo. Mesmo no terceiro nível em 2013/14, a média dos azuis foi de 42,6 mil torcedores por partida.

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Assim, nos últimos jogos a bandeira do Reino Unido se tornou ainda mais comum no Ibrox. Símbolo já tradicional do Rangers, também começou a ser usada para reforçar a posição de alguns contra a independência da Escócia. Afinal, essa exaltação das raízes britânicas faz parte da história dos azuis. Todos os anos, a primeira partida em casa homenageia a rainha, que possui até mesmo a sua fotografia nos vestiários do clube. Já em algumas partidas desta temporada, seções do Ibrox chegara a exibir bandeirões com a frase: “No dia 18 de setembro, vote não”.

A postura da torcida do Rangers pode ser explicada principalmente pelo apego à tradição. “Muitos fãs adotam essa identidade de uma maneira muito tribal. Superficialmente, parece que a maioria dos torcedores do Rangers vai votar pelo Não. Eles estão usando o voto como forma de expressar e manter-se fiel à identidade. Eles podem senti-la ameaçada se o Reino Unido se desfaz”, analisa Alan Bissett, autor do livro ‘Born Under a Union Flag’, em entrevista ao The New York Times.

Em contrapartida, a identidade do Celtic impulsiona parte dos setores no Celtic Park a se posicionarem pelo Sim. Em duelo contra o Milan pela Champions League, disputado em novembro de 2013, a Green Brigade já exibia faixas e bandeiras em prol da independência. “O terrorista ou o sonhador. O selvagem ou o bravo? Depende do voto de quem você está tentando conseguir ou a cara de quem você está tentando salvar”, dizia a mensagem. Ela foi colocada ao lado dos retratos do lendário William Wallace, o “Coração Valente”, herói escocês na Primeira Guerra de Independência, e de Bobby Sands, líder do IRA que morreu em uma greve de fome em 1981.

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A punição dada pela Uefa e as reclamações feitas pela diretoria do Celtic sobre a postura, no entanto, não coibiram novas manifestações. Na partida contra o Dundee United pelo Campeonato Escocês, centenas de torcedores ergueram cartazes escritos “sim” no Celtic Park. A ação organizada pelo movimento The Radical Independence Campaign aconteceu no 18º minuto de jogo, uma referência à data do referendo. “Queríamos mandar uma mensagem do Celtic Park e nada influencia opiniões como um clube de futebol. No Celtic, você tem muitas pessoas que nunca se sentiram confortáveis com a identidade britânica. Para nós, é um campo fértil”, afirma Tony Kenny, um dos coordenadores da manifestação.

A divisão histórica e o exemplo da Irlanda

A rivalidade entre Celtic e Rangers é tão grande por conta do contexto sociopolítico que se insere. Fundado em 1887, o Celtic tinha uma identidade evidente. O clube foi formado pela comunidade católica da Igreja de Santa Maria, com o propósito de arrecadar dinheiro para crianças carentes. As cores e o próprio nome do novo time faziam referência às origens irlandesas da maioria dos católicos em Glasgow. Imigrantes que haviam iniciado sua diáspora à Escócia principalmente a partir da década de 1840, com a Grande Fome arrebatando a Irlanda. E que sofreram diversos preconceitos da população local.

Fundado em 1872 e enraizado na tradições britânicas e escocesas, o Rangers passou a reunir torcedores que se contrapunham aos católicos irlandeses logo nos primeiros anos do dérbi. Com a recusa do Queen’s Park em disputar o Campeonato Escocês, por ser contra o profissionalismo, Celtic e Rangers passaram a ser os dois principais representantes de Glasgow na liga. E o sucesso dos alviverdes nas primeiras edições do torneio, campeão quatro vezes nas oito primeiras temporadas, provocou protestantes unionistas a abraçarem ainda mais os azuis, que seriam tetracampeões entre 1899 e 1902. A partir da década de 1910, com a intensificação da rivalidade, o Rangers deixou de contratar jogadores de origem católica, ainda que o Celtic contasse com figuras protestantes.

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A Guerra de Independência da República da Irlanda, ocorrida entre 1919 e 1921, também serviu como pano de fundo para a Old Firm. Por conta de suas origens, o Celtic já ganhava popularidade com o sul da ilha, majoritariamente católico. Já na Irlanda do Norte, a divisão entre os clubes era bem mais problemática, por conta da quantidade de protestantes. Em 1891, foi fundado na capital o Belfast Celtic, inspirado no homônimo de Glasgow. O clube acabou dissolvido em 1949, semanas após os jogadores serem agredidos dentro de campo por torcedores do Linfield, de ligações protestantes, na rodada do Boxing Day. Não à toa, Celtic e Rangers também tinham forte influência sobre os norte-irlandeses – e as estimativas atuais de torcedores e simpatizantes dos clubes ao redor do mundo, respectivamente, é de 9 e 5,5 milhões de pessoas, quase o triplo da população da Escócia.

Principalmente até a década de 1980, muitos episódios de violência e separatismo na Irlanda do Norte se misturaram com a rivalidade da Old Firm. Da mesma forma, o sectarismo na Escócia resultava em mortes nos dias de clássico. Ainda que as brigas entre torcidas perdurem, as tensões diminuíram significativamente nos últimos 25 anos. Em 1989, a contratação do católico Mo Johnston pelo Rangers foi um marco, apesar das reações raivosas dos torcedores do clube e do próprio Celtic, do qual era ex-jogador e tinha recusado a oferta. A convivência cada vez maior de católicos e protestantes em Glasgow também apaziguou a situação, assim como a diminuição dos conflitos na Irlanda do Norte. Apesar do posicionamento nas arquibancadas, a convergência entre Celtic e Rangers no referendo pela independência da Escócia é bem maior do que as antigas divergências.

Nem todos concordam com as arquibancadas

Em uma pesquisa recente o Sim pela independência da Escócia aparece à frente por uma margem mínima. Entre os torcedores da Old Firm esse equilíbrio se repete. Em maio, o instituto Panelbase apresentou um quadro de intenção de votos, indicando as tendências específicas dentro dos clubes. Segundo a pesquisa, 48% da torcida do Celtic quer a independência, contra 40% de contrários e 12% de indecisos. Já entre os fãs do Rangers, no entanto, os números se divergem das manifestações nas arquibancadas: 45% querem se separar do Reino Unido e 41% não, com 14% de indecisos.

A pesquisa ajuda a mostrar que, acima das tradições do clube, há outros fatores que influenciam a posição dos torcedores. Cidade mais populosa da Escócia, Glasgow está mais inclinada à independência. Não à toa, torcedores de quatro dos cinco clubes da região na primeira divisão do Campeonato Escocês 2013/14 estão a favor do Sim – Celtic, Motherwell, Partick Thistle e Kilmarnock (cuja porcentagem do Sim é a maior entre as torcidas, 59%), lembrando que o Rangers está na segunda divisão. A exceção é o St. Mirren.

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A tendência regional pesa sobre o Rangers, por mais que as raízes unionistas também influenciem. “Embora eu entenda que o número perguntado pela pesquisa seja relativamente baixo, é uma boa surpresa ver mais torcedores do Rangers apoiando o Não. Nós somos vistos como um clube britânico tradicional e nossos torcedores como unionistas em geral. Mas somos afetados como qualquer um pelas decisões ruins dos sucessivos governos de Westminster. Nós temos a chance de mudar as coisas para melhor e penso que muitos de nossos torcedores estão percebendo isso”, afirma o porta-voz do grupo Yes Rangers, que apoia a independência.

Já entre os clubes do centro e do norte do país, o quadro é oposto. Torcedores de sete clubes da região (Aberdeen, Dundee United, St. Johnstone, Hearts, Hibernian, Inverness, Ross County) são a favor do Não – sendo que 94% dos fãs do St. Johnstone querem se manter ligados ao Reino Unido. Números que mostram a tendência na capital Edimburgo, em Aberdeen, em Dundee (segunda, terceira e quarta cidades mais populosas) e nas Highlands.

Ser diferente também é problema

O Celtic, em especial, possui suas particularidades para ver um número tão significativo de torcedores inclinados ao Não. E a explicação está exatamente nas origens do clube. Parte da população de origem irlandesa se sente desconfortável com aspectos do nacionalismo escocês, que os veem alheios à cultura tradicional do país por serem imigrantes. Para estes, separação do Reino Unido poderia significar o distanciamento de outras comunidades irlandesas, como Liverpool e Belfast. Isso poderia deixar os irlandeses em posição desprotegida em relação ao novo governo da Escócia, diminuindo a voz que hoje têm dentro do poder britânico.

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Há mesmo o temor que uma perseguição surja contra torcedores do Celtic caso a independência realmente aconteça. Em 2012, o Parlamento Escocês aprovou uma lei criminalizando posturas ofensivas nos estádios. A legislação é geral, proibindo a incitação de ódio contra grupos religiosos, culturais e sociais. Porém, ultras alviverdes entenderam como uma maneira de alienar a cultura do clube – proibindo, por exemplo, cânticos que fizessem referência ao IRA, movimento revolucionário irlandês que protagonizou atentados terroristas. Para os mais preocupados com a postura dos organizados, a vitória do Sim poderia escancarar o conflito, por mais que a Green Brigade apoie os separatistas.

De qualquer forma, a maioria dos escoceses parece apta para analisar a situação política sem que a rivalidade histórica do futebol pese tanto. Independência pode significar para a comunidade do Celtic maiores chances de brigar por reconhecimento, assim como à torcida do Rangers ter mais benefícios em seu próprio país. Já a continuidade no Reino Unido não traria tanta autonomia, mas manteria a força econômica e a proximidade com a Inglaterra – o que talvez fosse útil aos rivais também no futebol, considerando os anseios de se juntarem à Premier League. Lados opostos ou não, os torcedores sabem que, acima disso, serão eleitores na próxima quinta. E, juntos, vão tomar uma decisão importantíssima para o futuro da Escócia.

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