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Os anos em que o futebol espanhol foi dos bascos


João Gabriel;

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Postado
Por quatro temporadas na década de 80, Real Sociedad e Athletic Bilbao dividiram topo da liga, em jejum da dupla que não acontece desde 2004, ano do Valencia
O País Basco é uma região autônoma no norte da Espanha, lar do povo mais antigo da Europa, numa área de 20,9 mil km² e com uma população de cerca de três milhões de pessoas. Ali, fala-se, além do espanhol, o euskera. Ali, o desejo de se tornar independente ainda reside intimamente na maioria dos habitantes. Ali, por breves quatro anos, jogou-se o melhor futebol do país, superando o duopólio de Barcelona e Real Madrid, o que está perto de acontecer na atual temporada, com o Atlético de Madrid a quatro pontos do título nacional.
Durante 1981 e 1984, apenas equipes bascas venceram o Campeonato Espanhol, no período mais recente em que Barça e Real ficaram alijados do título por mais de um ano. Numa época em que o futebol era menos globalizado e as diferenças econômicas entre os gigantes e o restante dos clubes não eram tão acentuadas, Real Sociedad e Athletic Bilbao tiveram seus momentos de glória: os "txuri urdin" de San Sebastián venceram suas duas únicas taças, em 1981 e 1982; os Leones de Bilbao vieram em sequência, alcançando o topo em 1983 e 1984.
Atualmente, pensar em tanto tempo sem Barça e Real como campeões nacionais é quase impossível. A grande temporada do Atlético de Madrid, que está perto de superar a dupla para levantar o título, é vista como uma exceção. Afinal, o último time a desafiar os gigantes espanhóis foi o Valencia, campeão em 2004. Athletic e Real Sociedad tiveram que se contentar com metas menos ambiciosas: eles se enfrentam neste domingo, a partir de 12h (de Brasília), pelo Campeonato Espanhol em situações opostas: os Leones já estão garantidos na Liga dos Campeões; os "txuri urdin" ainda brigam por uma vaga na Liga Europa.
BASE FORTE E RIVAIS "LIMITADOS"
Para chegarem ao topo, Real Sociedad e Athletic tiveram receitas parecidas: uma geração de qualidade oriunda das divisões de base e uma época de crise financeira que limitava maiores investimentos. Além disso, o regulamento do Campeonato Espanhol na ocasião permitia a presença de apenas dois estrangeiros por equipe.
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Equipe da Real Sociedad campeã em 1982 (Foto: Reprodução / Site Oficial Real Sociedad)
Na Real Sociedad, a geração que conquistou os dois títulos é a melhor da história do clube. Seis de seus jogadores integraram a seleção espanhola na Copa do Mundo de 1982. Nela estavam nomes como o goleiro Arconada, o volante Miguel Ángel Alonso, pai de Xabi Alonso, e o atacante Satrustegui, maior artilheiro da história do clube, com 162 gols. Este último, aliás, explica o feito da equipe pelo fato de todos se conhecerem desde pequenos.
- Nós éramos um grupo de jovens e começamos a jogar juntos na Sanse, o time filial da Real. Quando passamos à equipe principal, já tínhamos muito tempo de convivência. Era um grupo de jogadores com boas condições físicas e técnicas. Formamos um time muito bom – analisou Satrustegui, em entrevista por telefone.
Os primeiros sinais de que a Real poderia incomodar vieram na temporada 1979/1980. Os "txuri urdin" fizeram grande campanha e chegaram invictos e líderes à penúltima rodada, quando perderam para o Sevilla e deram adeus ao título.
OS TÍTULOS DA REAL SOCIEDAD
Mas no ano seguinte a taça não escapou. A campanha da Real foi distinta: o time se manteve entre os primeiros, mas sem muito contato com os líderes. Faltando 10 rodadas, a equipe arrancou, ficou invicta e chegou à última partida precisando de um empate com o Sporting Gijón para conseguir o título. Um gol de Zamora no minuto final assegurou a festa em San Sebastián.

- O que mais me marcou foi a alegria das pessoas, a esperança delas, a forma como elas viveram tudo aquilo. São momentos inesquecíveis, não dá para comparar com nada. Íamos de cidadezinha em cidadezinha, e as pessoas saíam às ruas para nos ver – lembrou Satrustegui.
Ao contrário do que provavelmente aconteceria atualmente, a base da equipe foi mantida mesmo após o sucesso. Na época antes da "Lei Bosman", os jogadores não eram livres para decidir onde jogar. Era preciso chegar a um acordo com o clube dono do passe.
- Muitos times tentaram nos contratar, mas não havia essa possibilidade de fecharem diretamente conosco. Eu tive proposta do Barcelona, mas a Real não quis negociar – contou Satrustegui.
Assim, com o time mantido, a Real conquistou o bicampeonato em 1981/1982. Desta vez, com um sabor especial: o título veio na última rodada, com uma vitória por 2 a 1 sobre o rival Athletic Bilbao, no estádio Atotxa, antigo estádio dos "txuri urdin" e um símbolo de um momento muito diferente no futebol espanhol.
- O Atotxa era pequeno, as pessoas ficavam muito perto do campo. Eram outros tempos, não havia publicidade na camisa, nada. Hoje, há muito mais dinheiro, mais possibilidades. Percebo isso quando vou ao Anoeta – completou Satrustegui, em referência ao atual estádio da Real.
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Torcida da Real Sociedad faz a festa no antigo estádio Atotxa (Foto: Reprodução / Site Oficial Real Sociedad)
ATHLETIC ENCERRA JEJUM
A vitória da Real Sociedad sobre o Athletic Bilbao serviu, simbolicamente, como uma passagem de bastão. Depois de ver o grande rival dominar o futebol espanhol, foi a vez de a equipe da província de Biscaia reagir nas duas temporadas seguintes. Ao contrário dos vizinhos de San Sebastián, o Athletic já estava acostumado a ganhar: sua sala de troféus contava com seis títulos da liga e outros 22 da Copa do Rei.
Entretanto, os Leones viviam uma seca desde 1956 no Campeonato Espanhol. O jornalista Jon Rivas, autor do livro “Athletic, paisajes, escenas y personajes” ("Athletic, paisagens, cenas e personagens", em tradução live), jamais havia visto sua amada equipe ser campeã nacional.
- Eu achava que nunca veria o Athletic ganhar um título, mas depois do que a Real Sociedad fez, tive esperança – contou o escritor.
Sob o comando de Javier Clemente, ex-jogador do clube e que no futuro viria a treinar a seleção espanhola, o Athletic ressurgiu. Nem mesmo a chegada de Maradona ao Barcelona, com o status de jogador mais caro da história (foi contratado por cerca de 1,2 milhões de pesetas, moeda do país na época), superou os Leones, que disputaram rodada a rodada o título com o Real Madrid. Na jornada final, os merengues perderam para um Valencia que lutava para não ser rebaixado pela primeira vez, enquanto os bascos golearam o Las Palmas por 5 a 1 fora de casa.
- Assim que anunciaram a derrota do Real Madrid, Bilbao foi uma explosão de júbilo. Toda a cidade saiu às ruas. No dia seguinte, um milhão de pessoas estavam nas margens do Rio Nervión para homenagear os campeões, que percorreram os 12 quilômetros até Bilbao em um barco, a Gabarra – lembrou Rivas.
Assim como a Real Sociedad (que ficou em sétimo lugar na temporada), a receita do sucesso do Athletic foi o elenco formado em casa. Tradicionalmente limitado a utilizar apenas jogadores bascos, o clube de Bilbao revelou uma ótima geração de jogadores, como o goleiro Zubizarreta, o zagueiro Goikoetxea e os atacantes Sarabia e Dani.
- O plantel do Athletic era fantástico. No primeiro título, goleava em casa e ganhava fora, marcou mais de 70 gols, um recorde naqueles tempos. Em Bilbao e San Sebastián, davam muito valor às divisões de base, e as grandes equipes não podiam contratar muitos jogadores nem cuidavam de sua base. Era uma época de crise – explicou Rivas.
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Jornal "El Correo", de Bilbao, celebra o Athletic campeão em 1984 (Foto: Reprodução)
De fato, o momento era de crise. Na temporada seguinte, o Barcelona não fez contratações, subindo apenas dois jogadores da base – Clos e Rojo -, enquanto o Real Madrid, comandado por Di Stéfano, apostou em uma geração que faria história no clube, com Butragueño como principal destaque. O Athletic foi campeão na última rodada, graças ao saldo de gol, novamente em cima dos merengues, e ainda levou a Copa do Rei em cima do Barcelona. Mas os gigantes espanhóis davam sinais de que haviam aprendido a lição: na temporada seguinte, o Barça foi campeão, o Athletic ficou em terceiro lugar, e a Real Sociedad, em sétimo.
TENSÃO NO PAÍS BASCO
Curiosamente, o sucesso dos times bascos veio num momento político bastante delicado. Em 1981, os militares tentaram um golpe de estado, sem sucesso. Os desejos separatistas no País Basco estavam em alta, pois a autonomia da região estava limitada – o ETA, grupo terrorista, vivia sua fase mais radical.

- A relação entre o País Basco e Madri era de muita tensão, havia muita carga política em tudo. O ETA matava quase todo dia. Embora já houvesse autonomia para o País Basco, a situação era infinitamente pior do que a de agora – contou Rivas.
Naturalmente, a situação respingou no futebol. Em 1976, um ano após a morte do ditador Francisco Franco, os capitães de Athletic Bilbao e Real Sociedad entraram juntos em campo com a "ikurriña", a bandeira basca, até então proibida pelo regime, e a colocaram no centro do gramado. Era a primeira exibição pública do símbolo.
Cinco anos depois, quando os times bascos passaram a dominar o futebol espanhol, a ousadia ainda era lembrada. Satrustegui, por exemplo, lembrou que os jogadores da Real Sociedad não eram bem recebidos nos estádios rivais.
- A situação política era muito difícil. Depois que exibimos a ikurriña, éramos vistos com desconfiança. As pessoas nos estádios pensavam que tínhamos algo a ver com aquilo. Era um momento de abertura, mas pouco a pouco as coisas começaram a mudar.
Infelizmente para os times bascos, as coisas também mudaram em campo. Desde então, Athletic e Real Sociedad não ganharam mais títulos. O futebol espanhol voltou aos domínios de Barcelona e Real Madrid.
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Jogadores do Athletic comemoram: time garantiu o quarto lugar e vai voltar à Champions em 2014/2015 (Foto: EFE)

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